A endometriose é uma doença envolta em incertezas. Não se sabe por que ela acontece ou como impedir que ocorra. Estima-se que uma em cada dez brasileiras tenham a enfermidade, que é benigna mas causa muita dor e leva à infertilidade em cerca de 30% dos casos.
Quando uma mulher tem endometriose, as células do endométrio - o tecido que reveste a parte de dentro do útero - se espalham pelos ovários e pela cavidade abdominal ao invés de serem expelidas pelo corpo no fluxo menstrual. Em casos raros, o endométrio pode chegar ao diafragma e, até mesmo, ao pericárdio, membrana que reveste o coração.
Foi o que aconteceu com a gastrônoma paulista Luzimeire Gomes, 32. Ela sofreu por 15 anos com cólicas menstruais tão fortes que, da adolescência à vida adulta, virou rotina deixar de ir à escola, à faculdade e ao trabalho para ir ao hospital nos primeiros dias de menstruação. "Eu consultei o mesmo médico por anos e ele dizia que a cólica menstrual era normal, mas eu sentia muita dor. Fiz vários exames e nenhum deu nada. Em 2014, uma amiga me indicou uma ginecologista e, na consulta, só de falar sobre minhas dores, ela disse ter certeza de que era endometriose", conta.
Em 2015, Gomes passou por sua primeira cirurgia, com o ginecologista que a acompanhava há anos. "O médico que me operou na pelve fez o que sabia". Por indicação de um terceiro médico, ela chegou até Ricardo Pereira, diretor do centro de endometriose do Hospital Santa Joana, em São Paulo.
O tratamento envolveu mais três cirurgias. Na primeira, devido a complicações causadas pela doença, ela teve parte do intestino, as duas trompas e o apêndice removidos. Foi durante essa cirurgia, em 2016, que se descobriu a infiltração do endométrio no pericárdio.
"Cerca de 90% das lesões de endometriose ocorrem na pelve, 10% ocorrem em outros locais. É raro haver endometriose no diafragma direito, no esquerdo e com infiltração no pericárdio, então, é ainda mais raro", afirma Pereira.
A primeira cirurgia de Gomes durou 11 horas, mas o endométrio do pericárdio só pôde ser removido em uma segunda laparoscopia - cirurgia minimamente invasiva -, realizada em abril de 2017. Essa foi a primeira cirurgia do tipo realizada no mundo e rendeu ao médico o prêmio de melhor vídeo-cirurgia pela Associação Americana de Cirurgia Ginecológica Laparoscópica.
Mesmo após a intervenção no diafragma esquerdo, a paciente precisou de uma terceira cirurgia. O objetivo, dessa vez, era eliminar os folículos do endométrio nos ovários para ela pudesse tentar engravidar.
"Hoje em dia eu tenho qualidade de vida, não sinto dor, sou uma nova pessoa e isso é muito importante. Agora eu quero congelar meus óvulos para engravidar depois do tratamento, porque quero realizar meu sonho de ser mãe", diz.
Assim como ela, é comum que mulheres convivam com a endometriose por muitos anos sem saber.
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